É bastante curioso: os protestos de 2013/2014, que deram estímulo para que a direita chegasse ao poder no Brasil, tiveram parte do seu simbolismo plasmado em um personagem anarcocomunista. A figura em questão é ‘V’, o protagonista do filme ‘V de Vingança’. O livro que serve de base para o filme foi lançado nos anos 80. De forma alegórica, faz uma crítica ao governo britânico da época, claramente de direita.
Há, portanto, um paradoxo entre o simbolismo dos protestos no Brasil em 2013/2014, e o resultado daquelas manifestações, que se materializou no impeachment de 2016 e na eleição de 2018. Nesse sentido, um tema com certa recorrência na nossa sociedade tem sido a censura feita a livros, especialmente de 2019 para cá. A obra oitentista ‘V de Vingança’ celebra filmes, livros e músicas. Inclusive, o personagem ‘V’ possui um acervo particular bastante rico.
Em nosso editorial publicado em 15 de março de 2014, na época dos protestos que utilizavam a máscara de ‘V’, observávamos o seguinte: “Uma das grandes bandeiras do personagem ‘V’ é a cultura. Não ficou muito evidente, nos protestos, a preocupação com o setor cultural. A realidade distópica de ‘V de Vingança’ aponta para a supressão da cultura. Em seu lar, ‘V’ preserva músicas, filmes e livros, impedidos pela ditadura presente nesta distopia”.
Em outro trecho daquele editorial em 2014, apontávamos que ‘V de Vingança’ estabelece “uma correlação com a Idade Média, quando livros eram queimados e os pensadores, obstaculizados”. E arrematávamos: “Uma sociedade democrática se constrói, entre outros aspectos, pela liberdade artística e pelo incentivo à cultura. Assim, é possível avançar”. Vale a reflexão para os dias em que nos encontramos.