Jéssica Ferreira
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Entre os direitos conquistados em sociedade através do passar dos tempos, um importante passo foi dado em direção da liberdade e igualdade – quando se iniciou a luta pela conquista dos direitos da mulher como cidadã, capaz de direitos e deveres. Em todas as esferas das sociedades existiam discriminações sobre a figura feminina, entretanto, a mesma alcançou seu espaço. Em contrapartida, é ironia ressaltar sobre mulheres que lutam pelo direito de ter direito, isto é, hoje, apenas no estado do Rio Grande do Sul, são 1706 mulheres dentro da população carcerária feminina – mulheres estas que estão cumprindo pena com o intuito legal de ressocialização para a vida e sociedade.
Um projeto iniciado em 2012 que tem por objetivo não somente inserir essas mulheres novamente na sociedade, como também através da cultura dar visibilidade para as mesmas, hoje é reconhecido pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos através da Assembleia Legislativa do estado gaúcho. A revista À Flor da Pele, que nasceu através do projeto que leva o mesmo nome – tem contribuído para que detentas do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul sejam vistas e através de suas poesias possam transparecer seus sentimentos recolhidos dentro de si.
A revista À Flor da Pele chegou em sua terceira edição, e para este seu lançamento aconteceu na tarde de ontem, por volta das 14 horas na Câmara de Vereadores do município uma reunião especial. Esteve presente no ato a vereadora Rejane Henn; o representante da diretoria do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul, Carlos Fioravante; o representante do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Francis Porto Soares; o diretor da Susepe e do Conselho da Comunidade de Execução Penal, Roberto Teylor Bandeira; a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, Suzana Gaab; a representante do Deputado Estadual e ex-presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos AL/RS, Potira Weber e a coordenadora do Projeto À Flor da Pele, Marli Silveira.
Todos os presentes, ao tomarem a palavra, parabenizaram o projeto e o incentivo que o mesmo tem sido para demais detentos em todo o país. A revista em 2013 foi apresentada para jovens que estão recolhidos na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase) de Porto Alegre e em 2014 foi uma das atrações da 27ª Feira do Livro. Além disso, em 2012 foi indicado ao Prêmio de Direitos Humanos e em 2014 foi finalista do Prêmio Viva a Leitura. A vereadora Rejane Henn, que propôs o encontro, ressalta a importância que tem sido esse projeto não somente para as detentas como também à sociedade. “Um belo exemplo a seguir no que se refere à cultura, arte e integração. Uma forma de dar visibilidade através da poesia”, disse.
Além de Rejane, o representante do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Francis Porto Soares, ressaltou seu olhar como um leitor sobre a revista – onde pôde analisar a necessidade das detentas serem novamente inseridas em sociedade. “Qual será a perspectiva de cada cárcere? Elas de fato escolherão caminhos errados, porém tem cumprido pena, a qual deve ser para sua ressocialização”, argumentou.
Dentre as autoridades, estiveram presentes também várias pessoas interessadas no assunto, além de convidados, imprensa, alunos e professores de escolas do município e três detentas autoras de textos publicados na revista. Para Marli Silveira, coordenadora do projeto, é necessário refletir sobre a vida em sociedade, sem apenas pensar em seu próprio “eu”. “Vivemos em um mundo onde há milhares de outras pessoas. Há muito a ser feito, e não podemos apenas pensar em nós mesmos. Geralmente não vemos as mulheres detentas, não conhecemos a problemática prisional, os sonhos que residem no peito das detentas. Negamos um viés perverso da nossa sociedade que cria, na grande maioria das vezes, vítimas e culpados, levando a tomarem posições deslocadas das reais questões que assombram o universo prisional e da violência na sociedade humana”, destacou.
Após a apresentação do projeto, foi aberto um breve sarau de poesia, onde tanto as detentas presentes, como qualquer um presente poderia recitar uma poesia escrita na revista. Um momento emocionante para muitos, onde todos tiveram a oportunidade de pensar num assunto tão pouco valorizado, o qual tem sido muito mais viável julgar do que dar uma chance para a ressocialização. “Eu agradeço por estar aqui, agradeço por dividir meus sentimentos e desabafar. Estou pagando pelas más escolhas que fiz na vida, mas o que eu quero agora é ter o direito de ser inserida na sociedade, seguir minha vida e ser feliz”, disse uma das detentas presentes no local.
À flor da pele
“Estamos sempre nos esforçando para dirigir os holofotes da verdade sobre os outros, para que possamos ficar escondidos no escuro, porque muitas vezes, temos nossa própria culpa diante de nós mesmos. E ela não é pequena.” trecho escrito por uma detenta do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul.
Assim como esse texto, são 22 páginas que compõem a revista na qual, versos, poesias, cartas estão publicadas. Traços e letras que revelam sentimentos de amor, saudade, medo, sofrimento, esperança, força, entre outros.
O projeto conta com o apoio voluntário de artistas e entidades comprometidas com os Direitos Humanos e desenvolvimento humano e cultural.
Além disso, tem como princípio básico, promover a visibilização das mulheres detentas por meio de oficinas de artes, leitura, cinema, saraus poéticos, bate-papos e momentos fora do presídio.
A Revista “À Flor da Pele” é, talvez, a principal ação, pois permite que as mulheres possam contar, falar dos seus sonhos e frustrações, dores, arrependimentos e anseios. Através da revista, as mulheres podem ser conhecidas e reconhecidas pela comunidade local e regional, estabelecendo um elo de visibilidade.