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Problema local é a qualidade da água

Luana Ciecelski
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São Paulo sofre coma falta de água e em reportagem anterior (publicada em 12 de fevereiro), foi visto que uma das principais causas é a contínua elevação das temperaturas do planeta, que estão causando eventos climáticos extremos. Foi visto também que a solução para o problema da crise hídrica depende de várias esferas, uma delas é a global que precisa reduzir imediatamente os níveis de dióxido de carbono (CO²) na atmosfera. No entanto, os problemas e as soluções referentes à falta de água também estão mais próximas do que pensamos, e esferas locais também possuem responsabilidades sobre os recursos hídricos.
De acordo com o Secretário Municipal de Meio ambiente, Saneamento e Sustentabilidade, Marcelo Diniz, hoje Santa Cruz do Sul não sofre com a falta de água por que tem em seu entorno importantes mananciais, e também por causa do lago dourado. “Ele nos resguarda de um colapso hídrico e representa uma importante reserva para Santa Cruz”, afirma ele.
O espaço foi inaugurado no ano 2000, e foi planejado pelo atual Prefeito Telmo Kirst quando esse ainda era deputado federal. Ele tem como principal objetivo, funcionar como uma reserva de 4 milhões de metros cúbicos de água. “Foi uma ação proativa para evitar que acontecesse aqui, o que hoje acontece em São Paulo”, afirma Diniz. “Talvez São Paulo devesse ter pensado em algo parecido há décadas atrás, então a situação atual teria sido evitada”, afirma.
Além disso, o Secretário explica que se não houvesse o lago, ainda assim a  região estaria mais tranquila do que outras, por ter diversos mananciais, como o Rio Pardinho, principal abastecedor da cidade. “Mais de uma vez tivemos que recorrer ao Lago Dourado para que a água não faltasse à população, no entanto, o Rio Pardinho é um bom abastecedor”, explicou.
Contudo, isso não é motivo para descuidos e desperdícios. Até porque, segundo o Professor de Limnología do departamento de Biologia e Farmácia da Universidade de Santa Cruz do Sul, Eduardo Lobo Alcayaga, na região, assim como em São Paulo, um dos grandes problemas é o desperdício.

Recursos hídricos são mal geridos

Outro problema, esse a nível nacional e local, é a inadequada gestão dos recursos hídricos. De acordo com o professor Lobo, o índice de desperdício considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 15% da água que segue para a distribuição, no entanto, no Brasil, atualmente esse desperdício chega a 37%, mesma média do Rio Grande do Sul. “Isso significa que, aproximadamente, de cada de 10 litros de água que saem da sua torneira, quatro litros ninguém usa. O desperdício é muito alto”, critica Lobo.  
Acabar totalmente com essas perdas causadas por vazamentos, é quase impossível, porque problemas dessa natureza são normais, no entanto, em outros países, como Estados Unidos e Japão, médias muito boas foram alcançados. De acordo com o professor, os EUA perdem 15% de sua água – índice considerado bom – e o Japão, apenas 7%.
No Brasil a causa desses 37% de perdas está principalmente nos encanamentos antigos, em vazamentos que ocorrem embaixo da terra e que muitas vezes demoram a ser percebidos. “As empresas do país deveriam investir forte em trocar esses sistemas hídricos velhos, ultrapassados e defeituosos, por que eles, aliado a emissão de CO² na atmosfera estão tornando o problema gravíssimo”, afirma.

Trabalhando para mudar

Para o gerente da unidade local da Companhia Rio-grandense de Saneamento Básico (Corsan), Armin Neri Haupt, as perdas existem sim,  no entanto, desde que o contrato emergencial de saneamento foi assinado com a Prefeitura de Santa Cruz do Sul, em 2 de julho de 2014, uma série de ações tem sido realizadas para mudar essa realidade.
Segundo ele, na tentativa de diminuir o prejuízo com as perdas por vazamentos não aparentes, duas equipes trabalham diariamente em uma verificação quadra a quadra. “A equipe vai de rua em rua com um aparelho que escuta a passagem de água. Então eles fazem a verificação. Se há som típico de vazamento, então outra equipe operacional é acionada e vai no local para resolver o problema”, explica Haupt.
Além disso, a Corsan também está trabalhando, desde o início de fevereiro, na troca de redes de abastecimento antigas, localizadas na região central da cidade. Ruas como a Capitão Fernando Tatsch, entre a São José e a Carlos Trein Filho; a Marechal Deodoro entre a Senador Pinheiro Machado e a Júlio de Castilhos; a Carlos Trein Filho entre a Sete de Setembro e a Júlio de Castilhos, entre outras, receberão as substituição. Segundo Armin, uma nova rede está sendo construída nas calçadas dessas vias e após seu funcionamento ser iniciado, a rede antiga, que passa pelo meio da rua, será desativada. A previsão é que todas as 10 ruas contempladas com a reforma, recebam o substituição em até 12 meses.
Por fim, um dos trabalhos mais importantes que a Corsan vem realizando em Santa Cruz do Sul, e que promete acabar com rompimentos nas redes e vazamentos futuros, é a instalação de válvulas de redução de pressão (VRPs). De acordo com o agente de serviços operacionais Rafael de Oliveira Gonçalves, que também é engenheiro civil e que está substituindo o chefe do departamento operacional durante seu período de férias, esse equipamento é a peça chave para resolver a questão das perdas da água no município.
De acordo com Rafael, essas válvulas são automáticas, eletrônicas e reguláveis, e funcionam de acordo com a demanda. Durante o dia, quando a população utiliza mais água, a válvula permanece aberta, mantendo uma pressão máxima de pré estabelecida em cada setor, durante a noite, quando a demanda diminui, a válvula vai fechando e evita o excesso de pressão na rede. “Isso explica porque a maior parte dos vazamentos ocorre durante a madrugada”, afirma Rafael.
Até agora já foram instalados 18 desses equipamentos pela cidade, no entanto, a previsão é de que mais 21 sejam instalados nos próximos meses. O melhor de tudo é que reduzindo a pressão da água que chega na casa do consumidor, ele reduz também o consumo das residência. “E esse investimento todo só não foi feito antes, porque não havia um contrato, e, portanto só havia investimento básico. Por isso a qualidade dos nossos serviços em Santa Cruz está cerca de oito anos atrasada em relação a outras cidades”, afirmou Haupt.

Poluição é outro problema grave

No Rio Grande do Sul, as chuvas constantes, fazem com que não falta água como ocorre em outras regiões do país. No entanto, se a falta de água não é um problema, a qualidade dela nem sempre é a ideal. Na região metropolitana, dois dos rios que abastecem importantes cidades, o rio dos Sinos e o Gravataí, estão entre os dez mais poluídos do Brasil. O Rio Santa Maria também está nessa listagem. Em Santa Cruz também há representantes na esfera dos poluídos. Um dos principais arroios urbanos da região, o Arroio das Pedras, é marcado pelo esgoto que sai das casas direto para suas águas e com o descarte irregular de lixo por parte de quem mora em seu entorno.
De acordo com o professor Lobo, o problema desse arroio, assim como de diversas bacias hidrográficas do estado, é o fenômeno da eutrofização da água, que é o aumento da concentração de nutrientes, principalmente o fósforo e o nitrogênio. De uma forma geral, as principais causas do fenômeno da eutrofização, dividem-se em fontes pontuais e difusas de contaminação, induzidas por atividades humanas. Os focos pontuais incluem as descargas industriais e estações de tratamento das águas domésticas e de fontes pontuais agrícolas, como unidades para criação de animais confinados.  Já os focos difusos incluem a agricultura, através do escoamento superficial de práticas agrícolas que incluem fertilizantes ricos em nutrientes, e da descarga direta de esgotos de fontes domésticas, não ligadas às estações de tratamento, que chegam aos rios. Além, é claro, do escoamento da superfície urbana.
A eutrofização da água acarreta em um grande crescimento de algas, formando uma espessa cortina na superfície da água, que por sua vez impede a penetração da luz até a vegetação submersa. Essa vegetação morre e ao entrar em decomposição libera ainda mais nutrientes que consomem o oxigênio, até níveis muito baixos que os peixes não são capazes de tolerar e acabam por morrer “Além disso, o odor e intolerável. Extremamente desagradável”, comenta.
O que acontece em seguida é que o custo do tratamento da água para consumo humano fica cada vez mais caro. “Para retirar essas algas (chamadas de cianobactérias), o odor e o sabor que elas deixam, e tornar a água potável outra vez, sai muito caro”, explica. Além disso, algumas dessas algas são tóxicas e dependendo da espécie e do tipo de toxina que ela libera, essa água pode ser letal ao ser humano.    
A eutrofização é um problema mundial que produz uma acentuada deterioração de rios, represas, lagos e águas costeiras, causando inúmeros efeitos diretos e indiretos na biodiversidade aquática. “Além disso, compromete os usos múltiplos de recursos hídricos e águas superficiais e subterrâneas, provocando perdas substanciais para a economia local e regional. Atualmente, a eutrofização é uma ameaça à saúde pública e às condições gerais de funcionamento dos sistemas aquáticos, constituindo um fator econômico importante que pode impedir ou retardar o desenvolvimento sustentável”, pondera Lobo.
A situação é de difícil solução, e depende do comprometimento de todos e cada um de nós, afirma o professor. Podemos destacar o maior incentivo às políticas públicas voltadas para a gestão ambiental, forte investimento em saneamento básico, educação ambiental nas escolas e bairros, principalmente direcionada às crianças que são o futuro e que devem crescer com consciência ambiental, além de orientações técnicas aos agricultores, por parte de órgãos competentes, para que seja evitado o uso desnecessário de fertilizantes. “Essas são soluções bem possíveis”, afirma Lobo.

Plano Nacional

Em junho de 2013 foi aprovado no Brasil o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) que regulamenta e estimula ações que ofereçam melhores condições de saneamento à população. Entra as metas do Plansab até o ano de 2030, estão a universalização do abastecimento, a redução de 41% para 32% do índice de perdas de águas e a oferta de serviços de coleta e tratamento de esgoto a 90% dos domicílios.
Segundo o professor, a diminuição para 32% das perdas ainda é ainda insuficiente e ofertar o tratamento de esgoto para 90% das casas também. “Todas as casas deveriam receber esse serviço”, no entanto, ele garante que esse plano, ao menos mostra um pouco de preocupação do governo com a questão. “Pelo menos temos algumas metas”.