Início Opinião O poder da maioria

O poder da maioria

VAGNER CERENTINI
[email protected]

Quando eu tinha 4 ou 5 anos, não me lembro ao certo, afinal, estudei dois anos na pré-escola porque morava no interior e não havia creches, acabei entrando mais cedo para a escola. Em um determinado dia, a professora colocou todos nós sentados no chão, formando um círculo. Naquele dia ela deu a nós um frasco de remédio, acho que de Dipirona, e perguntou-nos se a tampa do frasco era lisa ou áspera. 

Como inocentes crianças éramos, e nos distraímos com facilidade, muitos acabaram não prestando atenção na pergunta feita pela professora. O frasco então foi sendo passado de aluno por aluno. O primeiro respondeu “É liso!”, e passou para o próximo. 

Bem naquela “Maria vai com as outras”, todos os alunos responderam a mesma coisa. O detalhe é que a tampa era áspera, e liso era o frasco. Eu, agraciado pela minha mãe com o nome Vagner, normalmente era o último da chamada, e fui o último a responder. Na minha vez, respondi sem titubear “É áspera!”, pronto, eu era o diferentão, a minoria, o rebelde. 

Na sequência, a professora falou “O Vagner foi o único a responder corretamente”, e foi o que bastou para gerar o ódio em meus coleguinhas. Por eu ter sido o único aluno a acertar a resposta, me sentia o cara. E devido a isso formaram-se grupinhos, no caso, dois, os que me odiavam, e eu.

No dia seguinte, cheguei uns minutos adiantado e só estava eu no pátio da escola, logo após chegaram meus colegas, já com um plano em mente. Eles se reuniram e vieram em minha direção, meninos e meninas, com pedaços de madeira, varinhas de bambu e todo um arsenal de armas disponíveis pela natureza que tinha aos arredores da escola.

Eles começaram a me bater, eu corri, corri, corri e nada da professora chegar. A sessão de varadas nas costas durou uns cinco minutos até que a professora chegou. Foi quando fui correndo em direção a ela e relatei o fato. Minhas costas estavam ásperas, igual à tampa do frasco de Dipirona.

No fim da história, todos ficaram sem recreio, menos eu, que pude ir brincar sozinho. Corri feito bobo pelo pátio da escola, joguei futebol com a parede, e após meus 15 minutos me divertindo sozinho, voltei à sala de aula.
A questão é que mesmo eu estando certo, apanhei, e como punição meus colegas ficaram sem recreio. Vivemos num mundo de maiorias, onde a razão muitas vezes não é respeitada. Nesta ocasião foi apenas uma briguinha de crianças, onde agiram por suas mágoas, mas hoje vemos isso nas redes sociais, onde pessoas são movidas por maiorias e causas que muitas vezes parecem não fazer sentido algum. Na nossa legislação e nossa política existem tampas lisas que sabemos que são ásperas. Todos nós aguardamos ansiosos a chegada da professora, para que finalmente chegue o dia em que essas pessoas fiquem sem recreio.