Nos últimos dias os relatos a respeito do nível das águas do Jacuí têm motivado as conversas, a captura de imagens e sobretudo a preocupação de grande parte dos gaúchos. Pessoas habituadas a conviverem com um rio de imensas águas, de distantes margens, surpreendem-se com um leito ressequido. Fluxo antes dificilmente transponível, até para bons nadadores, agora se permite ser atravessado a pé.
Enquanto isso as águas do Lago Dourado, mesmo sofrendo com a seca, continuam a balouçar ao vento vespertino, abastecendo valentemente a população urbana de Santa Cruz do Sul.
A relação entre o Jacuí e o Lago Dourado se impõe como realidade e reflexão, frente a futuros investimentos no que tange ao abastecimento de água. Relação que não pode preterir o fato do Lago Dourado se inserir na própria bacia hidrográfica do Jacuí, o que a primeira vista pode parecer paradoxal. Pois, poder-se-ia perguntar, como um rio do porte do Jacuí pode sofrer tanto com a seca, enquanto que um Lago se mantém suficientemente abastecido? Ou seja, como um Lago, que depende das águas de um fluxo maior, de imediato o Rio Pardinho, seguido do Pardo, que por sua vez abastece o Jacuí, se mantém abastecendo uma cidade como Santa Cruz do Sul?
Basicamente, a justificativa passa pelo armazenamento das águas durante os períodos de inverno, quando o fluxo hídrico contrabalança positivamente com os períodos de verão, coincidentemente com altos consumos, não apenas humanos, mas de toda ordem da biodiversidade.
A implantação do Lago Dourado além de se valer das águas invernais adotou a concepção de vazão ecológica, que compreende a manutenção de um volume de água a ser garantido à jusante da derivasão, para a adequada e indispensável preservação dos ecossistemas aquáticos.
Passa pela reservagem das águas, na forma de estruturas como lagos ou açudes, o enfrentamento das estiagens no Rio Grande do Sul. Contudo, não se pode esquecer, que se os rios não estiverem ambientalmente preservados, em breve, nem para os reservatórios artificiais teremos água suficiente. Um depende e interage com o outro. Sem o rio, não há lago.
Cabe ressaltar o valor das áreas de várzea no cuidado com os rios. As áreas úmidas funcionam como esponjas que seguram e largam água na medida da necessidade. Cadeias alimentares inteiras, como de peixes e aves, dependem das áreas de várzea, mariscais, mangues e restingas.
Ouçamos as lições do Lago Dourado, que sussurra o segredo dos rios e suas vertentes.
*Geólogo e escritor – [email protected]