Quando dizemos para alguém que “tudo vai dar certo”, queremos acreditar nestas palavras. Esquecemos, no entanto, que quem as escuta até gostaria de acreditar, mas sabe que são palavras vazias de certeza. Fatos vão acontecer em nossas vidas, bons e ruins.
Quando os acontecimentos ruins nos acometem, cabe a nós respeitar este momento, ao invés de atropelá-lo com um desejo de que logo passe. Respeitar a dor é aprender com ela, é respeitar a nós mesmos.
Suponhamos que seu animal de estimação esteja doente. Precisará passar por uma cirurgia de emergência. Você está preocupado. Está naquela disposição afetiva onde nada mais existe em sua vida além do animal. Mal consegue comer ou pensar. Não se aflija, “tudo vai dar certo”.
O prazo para a entrega da monografia está chegando ao fim. Pouco ou nada foi produzido. Você ainda precisa escrever a conclusão, revisitar a introdução e finalizar a análise dos dados. Seu orientador nem quer mais olhar na sua cara, certo de que você irá falhar. Não se aflija, “tudo vai dar certo”.
Você terminou o noivado. Oito anos com aquela pessoa amada, que de tão amada, era a única pessoa que lhe importava em todo o mundo. Você terminou com alguém que foi mais do que um relacionamento de oito anos, alguém que compartilhou toda a sua vida e agora sofre. Não se aflija, “tudo vai dar certo”.
Sempre que temos uma situação difícil, um sofrimento evidente, uma tristeza profunda, fundada ou infundada, temos no mínimo um amigo para nos abraçar e dizer: Não se aflija, “tudo vai dar certo”.
De onde, afinal, tiraram esta certeza? Simplesmente te disseram isso porque não havia mais o que dizer. É nosso desejo de que nada nesta vida saísse ao nosso controle, de que nada machucasse aqueles a quem amamos. Apelamos, assim, para esta condescendente frase, tentando convencer aos outros e a nós mesmos, tentando confortar aos outros e a nós mesmos.
O que nunca vemos ao dizer isto para alguém, é que talvez tudo não dê certo. Talvez – apenas porque viver nem sempre é um jogo de vídeo game – o prazo para entregar a monografia expire, e não tenhamos uma nova chance, reiniciando a partir da fase anterior. Talvez, o tempo corra mais do que nossa capacidade de ler e escrever, e assim nos vemos perdidos, reprovados, falhando em nossas ambições acadêmicas. “Tudo vai dar certo” deixa de ser um consolo, um alento, uma esperança. Passa a ser uma obrigação.
E então, todos concluem, que a melhor coisa a dizer quando alguém termina um relacionamento é que logo isto vai passar. Que aquela dor que lhe é insuportável, vai logo terminar. Todos se apressam a lhe dizer que aquele sentimento de ter seu fígado moído dentro de seu intestino e retirado pela sua boca junto com o estômago vai logo ser substituído pela visão de coelhos saltitantes. Termine um relacionamento, seja ele longo ou curto, bom ou ruim, e verá instantaneamente brotar ao seu lado alguém para lhe dizer que “tudo vai dar certo”. Não, nada vai dar certo. Você acabou de terminar oito anos de um relacionamento. Ou melhor, você acabou de terminar um relacionamento de uma vida inteira, de um passado compartilhado, de um futuro no qual você não conseguia mais imaginar outra pessoa, e agora, não há ninguém. Mesmo assim, aparece alguém para lhe dizer “tudo vai dar certo”. Ledo engano. Pior do que isso, sinto-me enganado ao ouvir tal afirmação. Chega a ser uma provocação.
Será pedir muito para que respeitem o momento uns dos outros? Será que é impossível para as pessoas deixarem doer? Seu animal pode morrer sim, e você vai sofrer. Você pode não entregar a monografia, e vai sofrer. Seu relacionamento acabou e não vai mais voltar. Sofra. Sofra muito. Você precisa. Mais do que isso: é direito seu. Você merece sofrer à vontade, sem ter alguém a seu lado dizendo de forma inconsequente “tudo vai dar certo”.
Quando dizemos isso, queremos acreditar nisso. Esquecemos, no entanto, que quem escuta, até gostaria de acreditar, mas sabe, mais do que ninguém, que as chances do animal sobreviver são pequenas, que a capacidade de escrever não é tão grande, e que a perda de um amor é um caso único. Podemos e devemos respeitar esta dor, ao invés de sufocá-la com um sentimento inútil e opressivo de que tudo dê certo. Talvez nada dê certo. O melhor a fazer é sofrer para entender a dor e aí sim recomeçar.
*Psicólogo, pós-graduado em psicologia clínica e mestrando da linha de Fenomenologia-Existencial.