Vitor Ramil arrancou aplausos e despertou emoções: ótimo público no Mauá
Mara Pante
Um Vitor Ramil romântico, despachado, subiu ao palco do Teatro Mauá no sábado à noite para fazer o que melhor sabe: cantar e tocar. O cantor e compositor gaúcho sempre mostra um Brasil musicalmente desconhecido pela maior parte dos brasileiros. Através da milonga – com suas origens espanholas, fortemente presentes no Uruguai e na Argentina, mas que fincou raízes no sul do país e se tornou brasileira, fala dos tipos, das paisagens e das tradições do rincão. Tocou várias músicas do seu álbum, “Délibab” (cujo significado é “miragem”, vem de déli (do sul) + báb (de bába: ilusão). “Como não ficar maravilhado diante daquela “ilusão do sul”, ainda que fosse só uma miragem?”, conforme definiu), composto e baseado nas obras de dois poetas – o argentino Jorge Luis Borges e o brasileiro João da Cunha Vargas, lá do Alegrete. Este guardava seus versos de memória e sua obra era composta de apenas 12 ou 13 deles. “Já musiquei todos. É um homem do campo com uma dimensão humana muito grande”, salientou Ramil pouco antes de tocar Chimarrão – o instrumental dessa música é o ponto alto do disco. “ Gravar as milongas que havia composto para os versos de Jorge Luis Borges e de João da Cunha Vargas seria documentar uma projeção de imagens remotas, de arrabaldes buenairenses e ambientes campeiros, na urbanidade de nossos tempos atuais; seria registrar minha visão do que já fora visto por outros em outra parte”, pontuou.
Tocou e cantou também os poemas de Fernando Pessoa, por ele musicados como Noite de São João. Tocou “Milonga de los Morenos”, onde no disco divide os vocais com Caetano Veloso. Cantou: “…Garibaldi desliza puxando no campo um provável navio Farroupilha…” e João da Cunha Vargas: …”alcei a perna no pingo… e a tropezito no mas fui aumentando a distância…” Cantou e cantou. E era tudo que a plateia precisava para uma noite fria e chuvosa. Teve que voltar e cantar mais, ao que respondeu bem humorado: “eu já esperava por isso”.
Fotos: Ricardo Melchiors
O tocador de poemas – dele e dos outros – encantando aos trinta anos de carreira
DE VOLTA AO PASSADO
Mas foi com Estrela, Estrela (gravado por Gal Costa no disco Fantasia, de 1981), que ele levou muitos de volta a um passado gostoso – tempo esse que Ramil não perdeu em si – continua o mesmo da seresteira que compôs aos dezoito anos. Na sequência tocou sua primeira milonga: “nós vamos prosseguir companheiros, medo não há…” (Semeadura, em parceria com Fogaça, a mais clássica de suas milongas).
Enfim, o show foi mais de uma hora de deleite, para os muitos fãs que aproveitaram a oportunidade oferecida pelo projeto ArteSesc Cultura por Toda Parte. Ramil agradeceu ao Sesc pedindo: “Que o Sesc me traga toda semana, vou vir com prazer”.
FOI NO MÊS QUE VEM
Ramil aproveitou a ocasião para divulgar um seu próximo disco – um trabalho único em sua carreira, um álbum duplo com trinta músicas de sua autoria que serão selecionadas dentre as sessenta que estarão em seu songbook. O songbook, está sendo feito por Vagner Cunha, com assistência de Fabrício Gambogi e será lançado pela Editora Belas Letras no segundo semestre deste ano. O álbum sai na mesma ocasião, como lançamento da Satolep Music.
Foi no mês que vem reune canções e milongas de Vitor, marcantes em sua trajetória, seja do ponto de vista artístico ou da repercussão junto ao público. As trinta músicas do repertório, ainda em processo de seleção, serão escolhidas a partir do que Vitor gravou em seus discos. Apenas o repertório de délibáb, por ser muito recente, deve ficar de fora (excetuando-se as milongas que também aparecem em discos anteriores).
Ramil aproveitou para divulgar um seu próximo disco: Foi no Mês que Vem
COPIANDO O MESTRE
Quem tiver o songbook poderá executar as músicas ao violão tendo o disco como referência. O songbook permitirá a músicos amadores e profissionais conhecer em detalhes as afinações preparadas, as harmonias e melodias de Vitor. O violão e a voz serão a base do disco, mas haverá, na maior parte dele, participações especiais de músicos e intérpretes com quem ele tem colaborado ao longo dos anos.
Nos 30 anos de carreira, o irmão caçula da dupla Kleiton & Kledir, lançou nove discos, três livros, fez teatro e levou a MPB ao exterior nas suas turnês.