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Memórias: o olhar de Moina Fairon Rech

Moina tem muitas lembranas da Praa Getœlio Vargas, que atŽ hoje vive em seu cora‹o

Sara Rohde
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No mês em que se comemora 140 anos de emancipação de Santa Cruz do Sul, nada melhor do que saber como era a cidade antigamente, como viveram os descendentes de colonização alemã e suas origens. A matéria especial contará um pouco de Santa Cruz do Sul aos olhos da escritora Moina Fairon Rech. Uma lembrança muito marcante de Moina é de como era a Praça Getúlio Vargas. Rodeada pelas Ruas Marechal Floriano, Júlio de Castilhos, Marechal Deodoro e Ramiro Barcelos, o local que hoje conta com lindas árvores, estrutura com sede, restaurante, playground, monumento e chafariz, na década de 30 era bem diferente.
Plátanos antigos davam muita sombra em partes da praça. A esquina da Marechal Floriano e Ramiro Barcelos, durante alguns tempos, foi o local escolhido para quermesses. O ajardinamento no restante do logradouro era pouco, mas, já possuía os mesmos bancos de concreto que até hoje estão no local. As ruas não eram calçadas, e havia pouco tráfego de veículos, pois automóveis eram uma raridade. O meio de transporte muito usado era a carroça. “Havia poucos carros na cidade, pois eram importados e de preço elevado. Durante a época da guerra, a gasolina ficou escassa e houve racionamento, assim, os carros da cidade ficaram parados por não ter combustível”, disse.
Na década de 40 foi feito um novo planejamento para modernizar a praça e com isso, os plátanos foram cortados e uma ou outra árvore velha também. “Foi engraçado de repente ver uma praça quase que vazia e sem nada”. Moina lembra que havia um trecho plano perto da esquina da Ramiro com a Marechal Deodoro, e esse local virou campinho de futebol para a gurizada que aproveitava o resto da tarde para jogar. 
Ao lado da Catedral, estava o Colégio Sagrado Coração de Jesus, ou mais conhecido por Colégio das Irmãs (hoje a Faculdade Dom Alberto). Era escola, internato, e tinha um jardim de infância. E foi no começo da década de 40 que começaram a plantar as famosas Tipuanas. “No início pareciam árvores de pequeno porte e nunca imaginei que um dia viessem ficar do tamanho que têm hoje! Nos primeiros anos eram podadas no outono, talvez para não crescer muito”, contou.
Na época, bem no canto das Ruas Júlio de Castilhos com a Marechal, foi armada uma barraca grande de um teatro ambulante denominado ‘Politeama Oriente’. Pelo que a Moina se lembra foi o único tipo desses teatros que passou por aqui e fez muito sucesso. Virou a atração da cidade.
Outra lembrança é a cultura que envolvia Santa Cruz. “A cidade sempre foi muito ligada à música clássica. Havia excelentes professores de piano, orquestras, e muitos concertos, cujas apresentações aconteciam no salão nobre do Clube União ou na Sociedade Ginástica”, contou Moina.

SEMANA DA PÁTRIA

O local onde aconteciam as programações cívicas e o desfile de 7 de setembro era a Praça Getúlio Vargas, e os atos seguiam pela Marechal Floriano. Um palanque de madeira era montado próximo ao local onde hoje se encontra a sede da ACI, nele as autoridades (prefeito com esposa e família, o juiz do município entre outros), se posicionavam para prestigiar os desfiles dos colégios e do quartel. 
A Semana da Pátria era muito esperada em Santa Cruz do Sul, pois era um acontecimento marcante para os santa-cruzenses. A chegada do fogo simbólico era bem organizada e a chama era conduzida por atletas, que já na noite do dia 31 de agosto eram escolhidos a dedo. Eles ficavam à espera do fogo simbólico na Picada Velha, local onde hoje se encontra o monumento do Fritz e Frida. A chama vinha de Venâncio Aires conduzida pelos atletas da cidade vizinha, era uma verdadeira maratona. Enquanto isso, na praça em Santa Cruz, o povo ficava esperando ao som da banda que tocava musica após música e isso animava a todos. Pertinho da meia-noite, todos aguardavam o Fogo Simbólico que seria colocado na pira em frente à Catedral.
“Nem sei como dava tão certo, mas quando a chama chegava na Picada Velha  soltavam foguetes para avisar que estava na hora. A banda de música parava de tocar e as luzes da rua eram apagadas. Silêncio total no meio da escuridão! E de repente, num crescendo, começava-se a ouvir o ruído das passadas dos atletas correndo trazendo a chama, aproximando-se rapidamente, iluminando o caminho com suas tochas. Ao chegar, um deles subia rapidamente a escada encostada na armação e acendia a pira. O relógio da igreja começava a soar, avisando que era meia-noite! No mesmo instante, com um ‘Oh’ de surpresa partindo dos presentes, foguetes começavam a estourar, as luzes das ruas voltavam a brilhar e a banda dava os primeiros acordes do Hino Nacional. Era emocionante, mas se perdeu no tempo”.
Com o passar dos anos as árvores da praça cresceram. “Ela ficou mais bonita e acho que se ela pudesse falar, teria muitas histórias interessantes para contar. Talvez confessasse que estava com um pouquinho de saudade da calma e da paz do passado. Daquele tempo em que podia-se sair à noite sem ter medo de nada”, lembrou a escritora.
Outra mudança de lá pra cá são os looks. Os homens sempre usavam terno e gravata e as mulheres vestidos. Por isso, muitos chefes de família, depois de um dia inteiro de terno, chegando em casa vestiam um pijama,“era comum volta e meia ver alguém sentado na frente da casa no verão aproveitando a fresca da noite, de pijama ou camisola, e não tinha problema algum”.
A Praça Getúlio Vargas ficou na memória de Moina, um local muito apreciado pela escritora até hoje. Um dos acontecimentos atuais que Moina destaca é a Feira do Livro, que fez uma grande diferença em Santa Cruz. “O evento aglomera a cidade em um só local para tratar da literatura”, disse emocionada. “Um detalhe que me marcou em especial, durante a última Feira, foi no dia em que passeando pelas bancas fiquei reparando as crianças e os adultos, calmamente concentrados nos livros, folheando e trocando ideias entre si, tendo como fundo musical o Andantino do concerto para flauta e harpa de Mozart. Naquele instante, presenciei a verdadeira cultura”, destacou.
Outro local muito frequentado na época era o Cine Teatro Apolo, que ficava no local do antigo prédio da Câmara de Vereadores, na Júlio de Castilhos. Moina contou que o cinema e as cadeiras eram de madeira e nas laterais e em cima havia os camarotes. “Me lembro de assistir aos filmes de Tarzan e aos primeiros filmes da Disney”. São muitas mudanças notadas por Moina, entre elas a existência de variadas opções de cafés e restaurantes, “na época existiam poucos locais e hoje há restaurantes e cafés para todos os gostos”.
Outra lembrança é a rua hoje denominada João Werlang, que antigamente era conhecida como João Alves. Era o caminho da entrada da chácara da escritora. “Havia poucas casas, somente propriedades rurais, era uma estradinha calma e sem movimento. Volta e meia eu pegava meu cavalo e com minha amiga Lise na garupa, íamos passear até a pedreira dos Assmann que ficava mais adiante”. Moina em sua infância também brincava de roda, de estátua, bolinha de gude, as brincadeiras aconteciam nas calçadas largas feitas com as lajotas da pedreira do Assmann.
Moina Fairon Rech faz parte da história do município e com suas lembranças podemos conhecer um pouco de como era nossa Santa Cruz do Sul.