Por vezes, nas horas de contemplação, entre um gole e outro de mate ou desfrutando de uma taça de vinho tenho buscado na memória quais foram as previsões feitas para este ciclo e quais as expectativas que nutríamos.
Com os pensamentos voando no tempo e a retina atenta ao longínquo horizonte, muito pouco avanço para além dos votos individuais repetidos em todos os dezembros: paz, saúde, amor e felicidade (melhor seria esperar por momentos felizes, a vida é feita deles, mas não somente deles!).
Quando os sonhos que sonhamos carregam também consciência social e preocupação com o outro e a coletividade, agregamos o desejo de justiça social, de redução da miséria e da pobreza, das desigualdades, de todas as formas de violência e de vermos, finalmente, o fim da fome no mundo.
Não recordando do que as cartas do tarô, os búzios, videntes e babalorixás haviam anunciando para 2020, numa altura em que o coronavírus não ocupava os noticiários e preocupações, fiz, então, uma rápida pesquisa nos jornais/portais de um ano atrás.
Encontrei algumas curiosidades:
“O ano que inicia será regido pelo orixá Xapanã, de acordo com a matriz africana, que responde por curas e pela descoberta de doenças.”
“Destaque para doenças antigas que podem causar problemas novamente. Não vejo nenhuma grande cura em 2020.”
“Será preciso cuidar da saúde de modo global, mente e corpo. Será um ano de alta incidência de doenças. Evolução com relação à cura do câncer.”
“Descobertas de vacinas e curas para doenças. Será um ano de evolução. Com relação ao SUS, vejo que a parte administrativa vai melhorar, mas usando a estrutura que já existe.”
“Mais pessoas trabalharão por conta própria, como autônomos, do que em empresas. Será preciso ir atrás das oportunidades. “
“O País seguirá com turbulências, principalmente em função do presidente Jair Bolsonaro, que oscila demais. Isso faz com que o Brasil não prospere. Não vejo o Brasil crescendo. Turbulências familiares cercam o presidente. Problemas relacionados aos filhos dele virão à tona.”
Interessante, nada a ser desprezado, tendências foram sinalizadas.
Lembro que em fevereiro deste ano, em conversa informal com um jornalista da cidade, questionado sobre a expectativa em relação aos danos da Covid-19 no Brasil, alinhei uma série de razões para uma visão pessimista e arrisquei dizer que teríamos algo em torno de 40 mil pessoas mortas.
Nessa previsão errei feio, nos aproximamos dos 190 mil óbitos, tornando a rondar a barreira diária de 1.000 perdas de vidas humanas, sem uma boa perspectiva a curto prazo.
Quando o Poder Judiciário Estadual suspendeu suas atividades, em 16 de março, enviei mensagem aos colegas magistrados e servidores projetando quem 3, no máximo em 4 anos meses, estaríamos de volta à nossa convivência.
Passaram-se 9 meses. Muitos deles não mais encontrei presencialmente. Familiares não vejo desde então. Amigos, apenas pelas redes sociais. Saudades do café, das leituras e dos bons papos na Iluminura, de caminhar pela Marechal Floriano, de desfrutar das delícias dos restaurantes do Davi, do Humberto e do Roberto, do Bira e da Ingrid, assim como das agradabilíssimas conversas com eles.
Integrando grupo de risco, recolhi-me, por mim e pelos demais. Trabalhei como nunca havia trabalhado nos 23 anos de magistratura.
Neste meio tempo, vi negócios fecharem, milhares de pessoas perderem renda e emprego, a fome e a miséria voltarem com fúria.
Amigos e conhecidos faleceram, outros estiveram gravemente enfermos e vários ainda com sequelas.
Em abril escrevi uma coluna com o título “O Vírus da Oportunidade”, oportunidade para sermos melhores, mais solidários, responsáveis, aculturados.
Equivoquei-me uma vez mais. As festas clandestinas, o não uso de máscaras, as aglomerações nas ruas, praças e estabelecimentos comerciais, nas campanhas eleitorais e nos feriados, a tentativa de fura-fila para a vacinação, o negacionismo – inclusive de profissionais da área da saúde-, a difusão de fake news, a sabotagem permanente pelo presidente da República, a insensibilidade do poderio econômico, o egoísmo de alguns em buscar benefício estatal que não lhes correspondia e do próprio Estado e de instituições financeiras em negar/dificultar crédito aos pequenos empresários e comerciantes; tudo isso e muito mais, mostrou-me o quanto não avançamos enquanto sociedade.
Os bons melhoraram. Os fundamentalistas, os ideológicos anticiência, aqueles que não têm compromisso com a verdade, os que flertam com o fascismo, que miram apenas o umbigo e dão vazão às suas pulsões primitivas, sem se preocupar com o outro; lamento, mas pela experiência recolhida, na melhor das hipóteses ficaram como estavam, com as suas certezas.
Não sei o que 2021 nos reserva, nem 2022. O que sei é que vejo muito poucos sorrisos, tranquilidade, serenidade e prosperidade por todos os quadrantes. A natureza sufocada e destruída reage com as forças que lhes restam.
Temos tempo sim, mas muito pouco tempo para reverter o que ainda pode ser revertido, mudado, aperfeiçoado.